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A semana promete, não apenas pelo julgamento do ex-presidente Lula, pela importância da decisão para o contexto político, com as conseqüências sobre as eleições presidenciais de 2018, mas também pelo que está por trás de tudo isso e as conseqüências sobre as garantias democráticas e os direitos individuais num país livre com sua democracia consolidada.

Muito debate e discussões a respeito do tema têm surgido, e este artigo tem o objetivo de provocar a reflexão sobre como você, que está lendo agora, se sentiria se essa garantia e o seu direito não fossem respeitados, ou seja, se as leis, as regras estabelecidas fossem desconsideradas num processo contra você.

Então, passemos ao caso concreto fictício da sua sentença decretada pelo juiz:

A primeira abordagem diz respeito ao devido processo legal e a competência para que a ação seja realizada no foro adequado, porque um juiz não escolhe a causa que quer julgar, senão, cada um poderia escolher o processo que lhe interessasse. Vice-versa, um réu também não pode escolher o juiz que vai julgar o caso. Trata-se de uma garantia constitucional do princípio do juiz natural previsto em nossa Carta Magna de 1988, no artigo 5º, incisos XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”), LIII (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”) e LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”).

Então, imagine que exista uma acusação contra você por corrupção em virtude de uma suposta vantagem pecuniária que teria recebido em Tocantins e o Ministério Público do Amazonas entendesse que existe uma vinculação com um contrato de uma empresa que presta serviços lá. Daí, o MP ingressa com uma ação penal contra você no Amazonas por conta de uma presumida vinculação com a empresa que está sendo investigada criminalmente por sonegação fiscal lá.

O processo tramita e a decisão do juiz é pela sua condenação. Afirma, posteriormente, que jamais, na sentença ou em lugar algum do processo, disse que os benefícios obtidos pela empresa do Amazonas nos contratos serviram para pagamento de suposta vantagem indevida para você.

A partir da própria sentença, reside uma afronta ao devido processo legal, a ação deveria ser declarada nula pelo magistrado tendo em vista não ser de sua competência e que o MP de Tocantins propusesse a ação no Foro adequado, competente.

Da mesma forma, a decisão do juiz do Amazonas não se restringe à denúncia apresentada pelo MP do Amazonas. Conforme já dito na sentença, afirma que não existe relação entre os valores obtidos pela empresa no Amazonas no contrato objeto da ação penal e suposta vantagem indevida para você. Para que uma pessoa seja condenada por corrupção, deve haver uma relação clara entre o ato praticado e a vantagem indevida segundo a lei.

Suponhamos, ainda, que você não tenha praticado ato de ofício, ou seja, não é responsável pela prática do ato que lhe está sendo imputado no processo, que não assinou nada relativo ao contrato que teria dado algum benefício à empresa, e, apesar de não existir nenhuma relação direta, você é acusado por, em tese, ter ascendência sobre aqueles que poderiam ter praticado o ato e o juiz o sentencia por atos indeterminados. Como pode prosperar se não restar demonstrado que o réu tenha praticado ato de ofício? Ninguém pode ser condenado por atos que não tenham sido claramente determinados.

Além de todas essas inconsistências contra você, a condenação se baseia basicamente no relato de um executivo da empresa que teria sido beneficiada, mas não apresenta nenhuma prova, tanto assim que o próprio MP rejeitou o depoimento por falta de provas.

Como você se sentiria? Injustiçado? Seus direitos desrespeitados? Essa simulação é para reflexão. E se fosse com você? O ônus da prova de que você é inocente passou a ser seu e não de quem te acusa.

Nesta semana, não está em jogo o ex-presidente – que, se cometeu algum crime, seja punido – mas dentro da regra legal. Vários juristas nacionais e estrangeiros já se manifestaram contrários à sentença do juiz de 1ª instância. O que está em jogo, como disse Frei Beto, é o judiciário brasileiro, que estará em julgamento sobre as garantias individuais dos brasileiros.

A minha geração lutou muito para resgatarmos os direitos individuais e as garantias democráticas constitucionais, e tê-los respeitados. Não podemos abrir mão, não podemos aceitar que as leis e a Constituição sejam interpretadas de uma forma ao arrepio dessas garantias.

Showing 10 comments
  • Antonio Carlos Pinto
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    Excelente colocação, Nelson. Teria grande valor para reflexão, se todo o poder judiciário brasileiro não estivesse tão escravizado em tentar acobertar seus desmandos, seus cúmplices e seus próprios atos de corrupção. Estamos rigorosamente sob a égide de uma instituição judiciária degenerada, levando de roldão todas as demais instituições deste pobre país.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado, Pinto !!!

      Espero que sinceramente que a justiça não seja politizada e também que a política não seja judicializada como vem ocorrendo no Brasil.

      Forte Abraço

  • Marcos Maceso
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    Excelente artigo, provocativo e elucidativo. O grande problema da elite brasileira está em se colocar no lugar dos injustiçados, geralmente pertencentes aos extratos mais baixos da sociedade, e perceber quão importante é uma justiça imparcial e apartidária, afinal, somos iguais perante a Lei.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado !!! Pois é, somos todos iguais perante a Lei em qualquer situação.

  • Lenilda Muniz dos Santos
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    Pois é!!!!! Emblemático, estou passando por isso, é um processo na vara cível o qual ingressei contra uma empresa de energia elétrica, pedi a concessão de gratuidade de justiça visto que provei que não reúno condições financeiras para arcar com as custas processuais, mas todos foram negados, está em grau de recurso, é o relator não deu provimento ao recurso de apelação, estou ingressando com embargos de declaração, pois em sua alegação disse que estou repetitiva, ora bolas, a lei diz que posso pedir a concessão da gratuidade de justiça, e que não posso pedir o que não se encontra na exordial, enfim, estou sendo obrigado a pagar custas processuais quase R$ 150 mil reais, os autos possui vários documentos que comprovam a minha insuficiência de recursos financeiros, como meu IR, faço tratamento médico junto ao SUS, não tenho renda fixa, moro numa comunidade e possuo uma filha portadora de dificuldade intelectual vida sofrida e sacrificada, pois se essa decisão for adiante estará se praticando verdadeira injustiça, pois ficarei na penúria, pois a menina sofrerá por demais, pois tenho que sobreviver para mim e para ela, é muito triste, assim como o ser humano ex presidente Lula, o judiciário está uma vergonha, enfim, que Deus nos proteja, abraços!!!!!!

  • Edson de Oliveira Machado
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    Eu sou leigo nas questões de leis, mas faço bastante leituras e pelo que vejo, acompanhando esse processo, tudo vem correndo a toque de caixa, existem muitos processos que estariam,creio eu, em uma fila de espera, mas em tempo recorde analisaram todo peocesso de não sei quantas mil páginas.
    Tbm acho que esse julgamento abriu precedentes para muitos processos onde pessoas serão condendos mais por convicções do que por provas, estou bem preocupado como que pode acontecer.

    • Nelson Rocha
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      Pois é Edson, essa é a questão, o problema não é o ex-presidente, mas sim a forma como está se fazendo justiça no Brasil, que poderá recair sobre qualquer brasileiro.

  • Wellington
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    Lula foi condenado, meu sentimento é de impotência, cansado com o rumo que o país aponta. Vemos uma justiça extremamente lenta e tendenciosa para julgar os poderosos e ágil e eficaz para os outros.
    Em certos momentos parece que vivemos no livro de Franz Kafka “O Processo”

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado, Wellington !!

      Vivemos momentos difíceis, Amigo.

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