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Recebi de uma amiga um vídeo, que circulou em aplicativos de mensagens, sobre a formatura de uma turma de direito, não sei ao certo de que universidade brasileira. Em princípio, chamou-me atenção a eloquência do jovem orador da turma, timbre adequado, reverências aos mestres, fala pausada, enfim, um bom orador. Passei, então, a escutar o discurso.

Dizia o jovem bacharel em direito: “A nossa missão é de fazer justiça, não é ser um juiz, leiloeiro de destinos, (..) para o remédio dar ao doente, liberdade ao inocente, ou só um rumo ao errante. Não é ser um promotor ao denunciar pessoas a esmo (..) promovendo somente a cólera. Tampouco ser advogado, um embusteiro no juízo, no papel escreve 20 e do pobre coitado leve 50”.

A partir dessas expressões, já me causou espécie um recém-formado em direito, futuro advogado, investido de uma certa pretensão messiânica, como se juízes, promotores e advogados não estivessem dispostos a trabalhar pela justiça. Mas continuou o jovem orador: “Justiça nós faremos quando dissermos a verdade, calarmos a mentira e findarmos com todo abuso. Justiça nós faremos quando, em frente à corrupção, formos além da indignação e exigirmos a condenação. Justiça nós faremos quando as mãos dermos aos probos para acabar com a tirania e desinfetar nossa república de toda esta anarquia”.

O discurso poderia ter sido apropriado se fosse num palanque eleitoral, mas não em uma formatura de uma turma de direito, pois todo advogado deve pensar no contraditório, de que existem fatos e condições próprias em cada caso, princípio da ampla defesa. Daí, pus-me a pensar sobre como muitas pessoas na sociedade brasileira atual, a partir dos seus conceitos e princípios, entendem que as regras deveriam ser aquelas que eles entendem como certas, não importando o que dizem as leis.

A humanidade, ao longo da sua história, passou a conviver em grupos. Para que houvesse harmonia e o mínimo de critério de comportamento, organizou-se em sociedade, estabelecendo-se, ao longo do aprimoramento humano, regras a serem seguidas, as leis, erguidas sobre os pilares da democracia, ou seja, por meio dos representantes do povo. Por isso, respeitar as leis é fundamental em qualquer país civilizado e democrático.

A nação brasileira indignada com a atuação de seus representantes tem se mostrado avessa a respeitar as regras estabelecidas, querendo voltar ao tempo de fazer justiça com as próprias mãos, a partir do seu senso de justiça individual, segundo os seus próprios princípios e conceitos. Agrava-se esse comportamento quando surgem decisões, com distanciamento das regras, daqueles que deveriam ser os guardiões nas aplicações das leis.

Esse sentimento messiânico do discurso do jovem orador é reflexo do comportamento de uma sociedade em que cada um tem a sua própria lei na cabeça e acha que todo mundo deve viver de acordo com a sua regra e não a escolhida pela maioria da sociedade. Que futuro nos aguarda com esse tipo de raciocínio daqueles que mais adiante serão os encarregados de promover justiça?

Showing 10 comments
  • Francisco de Assis Melo
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    Muito bom. Oportuno. O discurso ignorou os aspectos institucionais q são construção da sociedade e apenas expressou o ânimo façanhudo personalista de fazer Justiça.

    • Nelson Rocha
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      Obrigado, Moura !!!

      É uma pena que essa nova geração não perceba que só a construção em sociedade pode promover a justiça.

      Forte Abraço

  • Marcos carneiro
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    Nelson,gostei muito.O exemplo do PT ao lançar a candidatura de um recém condenado em segunda instância talvez seja o mais gritante em questões da desobediência civil a qual você se referiu.É um desafio à ordem.juridica é um estímulo aos seus militantes a “fazerem ” suas próprias leis, não?
    Um mau exemplo que vem de um.paetidp político que deveria ser guardião da lei,das regras sociais que te nosso país.Isso só tende a agravar a situação tão bem colocada por você.

    • Nelson Rocha
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      Obrigado, Marcos!

      O problema vindo dos políticos por si só já é um mal exemplo, mas mais nefasto são os exemplos que vemos em decisões judiciais baseadas em convicções pessoais, ao invés de seguir o estabelecido na lei.

      O problema não é em virtude de uma ou outra decisão, de uma pessoa importante ou menos importante, ele reside no que nos espera diante de um sociedade que alimenta o sentimento de justiça segundo os princípios individuais e não o que foi decidido pelo povo e constam nas leis.

      Forte Abraço

  • Antonio Carlos Pinto
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    Infelizmente o discurso desse jovem universitário se trata, a grande maioria das vezes, em um belo discurso de formatura. Quando se ingressa em definitivo no poder judiciário brasileiro estas belas palavras e pensamentos perdoem-se no emaranhado dos corruptos que por lá grassam e ajudam a destruir os valores morais que ainda restam do povo. Grande abraço.

    • Nelson Rocha
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      Pinto,

      Temos um problema nessa nova geração que acha que pode fazer justiça segundo seu caderninho do que é certo ou errado, sem considerar o contraditório, a ampla defesa. E ainda queremos ser uma democracia respeitada,

      Forte Abraço

  • Maria Elisa
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    É o país do tudo pode e do nada pode… É um comportamento típico de uma sociedade de baixa confiança e egoísta. O que nos espera é rezar para não precisar de pessoas como essa…

    • Nelson Rocha
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      Pois é, Maria Elisa… Infelizmente é assim que a sociedade brasileira está acostumada…

      A grama do vizinho sempre é mais verde, portanto, diferente da nossa.

      Beijos

  • Luís Fernando de Lima Silva
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    Tema de necessário envolvimento de todos. Fazer justiça sem o rigoroso cumprimento da Lei, não faz parte de uma sociedade democrática.

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