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A recente portaria do Ministério do Trabalho que dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho causou rebuliço no país e fora dele.

Até então, o Brasil era considerado uma referência e um modelo de liderança mundial no combate ao trabalho escravo, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), braço da ONU responsável por zelar por condições globais de trabalho decente e produtivo.

A versão do governo federal é de que a Portaria 1.129 prevê uma fiscalização mais severa, multas elevadas e a participação da Polícia Federal como medidas que vão garantir a punição adequada a quem comete esse crime.

A OIT, entidades de classe e organizações sociais alertam que a nova diretriz pode enfraquecer e limitar a atuação dos fiscais do trabalho que, até então, tinham a devida autonomia para fiscalizar, inclusive publicando a lista de empregadores flagrados, autuados e cujos recursos tivessem se esgotado. Com a portaria, a publicação não será mais automática e caberá ao ministro do Trabalho determinar a inclusão na lista.

Eventuais erros ou excessos de fiscais devem ser punidos pelos meios legais adequados, incluindo-se aí eventual concessão indevida do seguro desemprego, mas uma ou outra ação inadequada não deve servir de subterfúgio para mudança de um modelo que vem se mostrando eficaz no combate ao trabalho escravo.

Tanto para a OIT, entidades de classe e organizações sociais, a portaria fere convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, além de afrontar o próprio Código Penal. A questão da definição sobre o que vem a ser trabalho escravo vai além da falta de liberdade. Ela tem total relação com a dignidade humana, preceito garantido pela Constituição Federal, como se não bastasse a lei áurea.

Não é possível que o Brasil dê um passo atrás, não é possível que retrocedamos e deixemos de considerar várias situações de trabalho escravo ou análogas. O argumento do ministério para justificar a nova portaria não se sustenta, pois as novas determinações não podem contrapor o que já existe neste caso. É preciso somar e não dividir. Precisamos andar para frente, não retroceder.

O que pretende exatamente o governo federal com essas mudanças? Já questionadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), inclusive com a recomendação para que a portaria seja revogada. Será despreparo? Ou será que as medidas têm, na verdade, o objetivo de afrouxar as regras e facilitar a vida de muitos empresários, especialmente do campo, alguns deles no Congresso Nacional. Não nos esqueçamos que a bancada ruralista tem votado em peso com o governo.  Sabemos que o Brasil tem milhares de pessoas trabalhando em condições precárias que por muito pouco não se enquadram nas definições de trabalho escravo, sem contar as muitas que são pegas pelos fiscais, autuadas e processadas. O descontentamento dos próprios fiscais é evidente, tanto que paralisaram suas atividades em 21 estados.

Se algo precisa ser aprimorado nas regras existentes, os auditores que fiscalizam o trabalho escravo certamente deveriam ser ouvidos antes e teriam oferecido sugestões, pois são eles que estão em campo se arriscando, apurando denúncias, verificando situações, fiscalizando e autuando. Entretanto, o governo, pelo que parece, preferiu ouvir somente um lado.

O presidente da República já se comprometeu em rever a portaria, em face da forte reação nacional e internacional. Aguardemos o que virá.

Showing 4 comments
  • Lino Marinho
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    Concordo plenamente e não só para mim como muitos devem ter a mesma opinião de que tudo isso não passa de favores que os políticos têm com os empresários.

  • Lílilan Alves
    Responder

    Com certeza, tudo indica que a motivação dessa Portaria são de grupos de interesses ligados ao Poder. Felizmente, ainda há esperança de ser revistos tais atos ricaços de vícios e ilegais!! Vamos aguardar.. parabéns Nelson por trazer esse tema!

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado, Lilian !!!

      Infelizmente ainda convivemos com esse tipo de prática. Vamos aguardar.

      Beijos

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