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O Conselho Federal de Contabilidade publicou recentemente (28/09) uma resolução (1.530 de 22/09/17) que dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelos profissionais e organizações contábeis para cumprimento das obrigações previstas na Lei nº 9.613/1998, que trata sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.

À primeira vista, poderia parecer mais uma norma que visa coibir ou inibir ilícitos, mas ela vai além isso, de forma negativa, pois obriga os profissionais de contabilidade a romperem o sigilo profissional e atuarem além de sua competência, pois a resolução determina que os contabilistas informem ao Coaf quando perceberem sinais de risco sobre operações financeiras de seus clientes.

É óbvio que todo brasileiro de boa índole quer que a corrupção – origem natural da lavagem de dinheiro – acabe. Mas o que não pode acontecer é colocar o profissional de contabilidade em uma posição de responsabilidade sobre a denúncia e investigação dos crimes de lavagem, quando isso deveria ser feito pela polícia e pelo governo, por meio de profissionais com o conhecimento técnico para isso.

É lógico que existem profissionais que acabam se imiscuindo com práticas ilícitas e criminais que devem ser combatidos, sem qualquer sombra de dúvida. Mas a grande maioria atua de forma correta, cumprindo seu papel perante a clientela, os três níveis de governo e junto ao órgão da classe.

Se o governo quer um profissional que tenha a competência técnica para esse tipo de investigação, que o contrate, em vez de terceirizar o trabalho, jogando no colo dos contabilistas a tarefa de identificar atos ilícitos e denunciá-los, sob pena de ser taxado de cúmplice e responder civil e criminalmente sobre os atos de seus clientes.

Profissionais de contabilidade que atuarem de forma ilegal, sendo parceiros ou coniventes em crimes cometidos pelos clientes, devem ser punidos tanto pela justiça como pelos órgãos de classe e fiscalização do exercício profissional, leia-se CFC e conselhos regionais. Mas o que foi feito nesse caso? Em vez de defender a categoria, o CFC e os conselhos regionais se deixaram manobrar pelo governo, pelo Coaf, transferindo suas responsabilidades para o profissional de contabilidade.

Em seu artigo 15, a resolução do CFC diz o seguinte: “As declarações de boa-fé, feitas na forma da Lei nº 9.613/1998, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa”. Mas o CFC não tem poder para afirmar isso, apenas as autoridades constituídas para tal podem determinar se houve boa-fé ou não e se os profissionais serão ou não punidos civil e criminalmente. Ou seja, uma declaração feita pelo contabilista ao Coaf poderá reverter contra o próprio profissional, supondo-se que uma denúncia não leve a nenhuma prática ilegal, e o cliente queira responsabilizar o profissional de contabilidade sobre todo o transtorno provocado pela denúncia.

E isso não se aplica apenas do ponto de vista comercial, pois a empresa denunciada certamente dispensará os serviços do contabilista ou da empresa de contabilidade que a atendia, mas também do ponto de vista judicial, uma vez que o denunciado entenda ser direito seu ingressar em juízo com uma ação de danos morais, por exemplo.

Reitero que não compactuo com qualquer prática ilícita, mas creio que o papel dos conselhos de classe é, sim, o de fiscalizar o exercício profissional, mas também o de proteger a profissão e consequentemente o profissional. Ao invés de editar normas para punir o profissional, o CFC e demais CRCs deveriam defender a categoria e não estabelecer uma resolução que foge à prerrogativa do trabalho do profissional contábil.

Cada um no seu papel, cada um na sua área de atuação, com as respectivas responsabilidades.

Nelson Rocha – ex-presidente do Conselho Regional do Rio de Janeiro (CRC-RJ)

 

Showing 10 comments
  • Leonardo
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    Concordo, há tempos os conselhos vem visando a que interesses não sei, mas com certeza não ao profissional, pois incentivar práticas tão subjetivas como essa…
    O profissional está só, juntos só na anuidade.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Valeu, Leo !!

      O Conselho deve defender também a profissão e o profissional, o que estão fazendo é um absurdo, o que não acontece com outras categorias. Falta pulso de quem está dirigindo as entidades para fazer o debate e o enfrentamento com o governo.

      Forte Abraço

  • Jorge Burlamaqui Lopes da Costa
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    O Nelson sempre com a costumas coerência e crítica quando necessária.
    Acho que nós profissionais devemos nos mobilizar e começar uma ação para um abaixo assinado exigindo a revogacao desta imposição aos contabilistas.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Jorge,

      Obrigado. Acredito também que devamos nos mobilizar para rechaçar esse absurdo que estão cometendo. Estou à disposição.

      Forte Abraço

  • Henrique balbino seita
    Responder

    Parabéns pelo seu posicionamento mostra a clareza de interpretação.concordou 100%.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado, Henrique !!!

      Precisamos unir a categoria em torno da defesa da profissão.

      Forte Abraço

  • Paulo Machado
    Responder

    Muito oportuno e coerente Nelson

  • Kátia Maia
    Responder

    De acordo com o Artigo, claro objetivo é direito, precisamos fortalece esse debate, para que muitos que clamam pelo retrocesso, possa ter um compreensão do que é democracia.

    • Nelson Rocha
      Responder

      É isso, Kátia!

      As pessoas têm que ter consciência da importância da democracia.

      Forte Abraço

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