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A “renúncia” do deputado federal pelo PR de São Paulo, Tiririca (Francisco Everardo Oliveira Silva), é uma inversão total de valores. Quem se deu ao trabalho de assistir ao vídeo feito enquanto discursava pela primeira (e última) vez na tribuna da Câmara dos Deputados entenderá melhor o que quero dizer.

Ele pede que os colegas deputados “olhem pelo país”. Mas ele não olhou, virou às costas não somente aos seus mais de 1 milhão de eleitores (no segundo mandato – no primeiro foi eleito com mais de 1,3 milhão de votos), mas a todos os brasileiros, pois, estando no Congresso Nacional, era legítimo representante do povo. Sabemos que muitos paulistas votaram nele para demonstrar sua insatisfação com os políticos brasileiros. Mas isso não significa que Tiririca não tivesse a responsabilidade de atuar em prol do país, de forma ética e responsável.

Em seu discurso de “renúncia”, o deputado falou que estava muito decepcionado. Mas um deputado não deve renunciar porque está decepcionado com os demais deputados, com a política, com os políticos em geral ou com os rumos do país. Sua obrigação – referendada por sua expressiva votação – era a de lutar por aqueles que o elegeram, lutar por melhores condições para o país, propor, buscar aprovar e apoiar leis importantes, ser a voz do povo.

Após a confirmação da sua reeleição, Tiririca disse: “Em 2010, ganhei por voto de protesto e 2014 por voto consciente e o povo votou porque eu fiz valer o voto! Mostrei o que um deputado faz!”. Será que mostrou mesmo? O que aconteceu entre a sua reeleição e a sua renúncia que o fez desistir de ser um representante do povo brasileiro? Como estarão seus eleitores? Decepcionados, aborrecidos, aliviados ou raivosos com a saída de seu deputado federal?

A questão é que há uma inversão completa de valores. Se um representante do povo renuncia, dizendo que sofreu preconceito, que sabe de coisas que é melhor não falar, o que esperar de quem deveria defender o povo? Se existem muitos políticos indignos – como Tiririca dá a entender -, deveria denunciar e lutar para que prevalecesse o interesse do país.

Durante sua passagem pela Câmara dos Deputados, Tiririca apresentou 14 projetos de lei próprios, quase todos relativos à atividade circense e três em parceria com outros deputados e apenas um foi transformado em lei. Foi o projeto que instituiu o Programa de Cultura do Trabalhador e criou o vale-cultura, resultante de um projeto de lei assinado por Tiririca e vários outros parlamentares. Por outro lado, esteve presente em todas as sessões da Câmara de Deputados, mas a sua produção foi medíocre.

Tiririca foi eleito, pela primeira vez, com o slogan “pior não fica”. A despeito de partidos, posições políticas etc., eu diria que sempre pode ficar pior e ele contribuiu para isso. Não é à toa que uma recente pesquisa de opinião mostrou que 60% dos brasileiros consideram ruim ou péssimo o desempenho dos atuais deputados e senadores. A série de pesquisas do Datafolha teve início em 1993 e nunca alcançou percentual tão elevado. Na outra ponta, a aprovação, o número também foi recorde, o menor desde então, apenas 5%.

Não tapo o sol com a peneira, reconheço os problemas da política brasileira, a corrupção endêmica, os muitos péssimos políticos que temos, que se auto representam, em vez de serem os porta-vozes da população. Mas imaginem o que seria do Brasil se os políticos que agem corretamente (sim, eles existem!) fizessem a mesma coisa que o Tiririca? Sempre defendi e continuarei defendendo que o povo não deve virar às costas à política, mas ser ativo, participativo. Não estou dizendo que todo mundo deve se candidatar a um cargo eletivo, mas deve saber quem é seu candidato, suas propostas, conhecer seu passado e seus pensamentos, sua plataforma e, depois de elegê-lo, acompanhar e cobrar o trabalho dele, seja no Congresso, na Assembleia Legislativa, na Câmara de Vereadores.

Ao eleger um político, não estamos dando um cheque em branco, mas “contratando” uma pessoa que deverá fazer valer a opinião, em linhas gerais, de quem o elegeu. Se ele viu, ouviu ou sabe de algo ilegal ou imoral, deve agir, denunciando – se tiver provas – ou pedindo investigações. Decididamente, o palhaço-deputado fez uma palhaçada sem nenhuma graça.

 

Showing 18 comments
  • Ernani de souza Coelho
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    muito bom artigo. expressacexaramente o que penso a respeito

  • Sylvio Nunes
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    Oportuna e inteligente crítica sobre a saída do Tiririca. Ao se declarar decepcionado o comediante esconde uma atuação medíocre e arma um espetáculo para esse grande segmento do eleitorado que se declara igualmente “decepcionado”, e que se caracteriza por três atributos: hipocrisia, apatia moral e analfabetismo política, à la Bretch.

    • Nelson Rocha
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      Pois é Sylvio, exatamente isso, põe uma cortina de fumaça, como se fosse uma vítima. E o que fez como parlamentar para combater?

      Forte Abraço

  • Nadia
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    Acho que ele não devia ter assumido o cargo. Nunca teve e nunca terá condições de assumir um cargo parlamentar. Mais vergonhoso para a população brasileira que usa o voto como protesto, ao invés de usar como principal instrumento de mudança no País.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Exatamente Nádia, ao invés de fazer o que deveria como parlamentar, diz que está decepcionado…

  • Kátia Maia
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    Tiririca, foi um deputado desprovido de conteúdo político, como ele ,o Congresso está cheio, conforme os resultados das pesquisas. Concordo com o artigo, temos uma grande tarefa pela frente, forma opinião, para que tenhamos menos “Tiricacas” no parlamento.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Katia,

      Você tem razão quando diz que temos uma grande tarefa pela frente. Através da educação podemos conscientizar as novas gerações para evitarmos oportunistas como ele.

  • Francisco de Assis
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    Prefeito. Subscrevo da primeira frase ‘a ultima.

  • Paulo Machafo
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    Ótima matéria mas só complementaria dizendo que do “sumo” do pronunciamento podemos extrair algo de bom, que é “mais um alerta” a população para pensar Em quem votar em 2018. Como muitos dizem, dependendo do nosso olhar sempre extraímos algo de bom.

    • Nelson Rocha
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      Valeu, Paulo !!!

      De fato, temos que extrair algo de bom dos acontecimentos, que seja nesse caso um olhar mais acurado na escolha dos representantes do povo.

      Forte Abraço

  • Marcelo
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    Nelson, bom dia. Obrigado por mais um lúcido e bem-proporcionado artigo.
    Eu, talvez tenha uma visão mais romântica desse tema. Tiririca abandonou o barco e assim seus eleitores e também os não eleitores que passaram acreditar que é possível políticos de bem, políticos humanos, políticos que respeitam seus eleitores?
    Penso que ele teve um atitude honrosa, sabendo do que estar por vir, deu seu último e derradeiro tiro para abrir os olhos dos brasileiros.
    Em uma entrevista num famoso “talk show” Tiririca falou de suas decepções e dificuldades de ser político e que, principalmente, seus mais de 1 milhão de fotos não o gabaritavam e nem tão pouco lhe fortalecia no congresso. Ao contrário, pelo medíocre partido dele que todos os cariocas conhecem bem (garotinho, rosinha presos e o presidente do partido também envolvido em corrupção gravíssimas), pelos não pactos com corruptos e etc, Tiririca se tornou uma voz isolada no congresso, uma voz ignorada, uma voz sem representatividade mesmo com mais de um milhão de votos (outra distorção do nosso sistema eleitoral). Além disso acho que ele vivenciou as amarguras das lutas morais e éticas. Ele combaliu. Preferiu pedir para sair do que se tornar um deles.
    Acredito que o exemplo dele abra os olhos de todos e que ninguém mais vote nas máfias PMDB e seu aliados PT, DEM, PSDB, PR, PP e etc.
    Enfim, acho que Tiririca é uma exceção para o bem. Os votos que ele recebeu mostram que o povo quer algo novo e que não faça parte da corja tradicional que acabaram com uma nação.
    Sim, esses eleitores estão órfãos e desorientados. Terão que achar um novo Tiririca e urgente.
    Abraços.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado, Marcelo

      Existem pessoas talhadas para o bom debate político, independentemente de coloração partidária. O bom debate proporciona o enriquecimento da democracia. Ele com toda certeza não tem esse perfil.

      Veja, por exemplo, alguns deputados aqui do Rio de Janeiro como Glauber Braga, Chico Alencar ou então Bolsonaro, independentemente de concordar ou não com suas posições, são deputados com posições críticas claras. Por isso o meu entendimento é de que o Tiririca prestou um desserviço, ao não lutar em nome daqueles que o elegeram.

      Forte Abraço

  • Maria Elisa
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    Ele está saindo de forma medíocre. Não tinha nenhuma expectativa em relação a ele.. Não me surpreendeu. Será que vai devolver o que recebeu nesses anos de vida boa??? Ele precisa ler o seu artigo, pois ele representa a nossa indignação com ele

    • Nelson Rocha
      Responder

      Obrigado, Maria Elisa

      Eu também não tinha nenhuma expectativa, mas que pelo menos sirva de exemplo para aqueles que votam sem considerar as competências que deve ter um parlamentar.

  • José Ornis Rosa
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    Não sei a verdadeira versão, mas o comentário é que se afastou do mandato, por uma negociação com o sei suplente José Genuíno. Tem fundamento? Se foi isso, é mais umas das vergonhas de nosso parlamento.

    • Nelson Rocha
      Responder

      Caro Ornis,

      Esse comentário na realidade não tem fundamento, a verdade é que ele não respeitou os votos que lhe foram dados.

      Forte Abraço

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